Quem não lembra do filme "Os delírios de Consumo de Becky Bloom"? Compradora compulsiva, a protagonista não resiste a uma vitrine de loja. Compra tudo que vê pela frente até estourar o cartão de crédito, ficar pendurada nos bancos e ter que vender tudo para liquidar as dívidas.
Na vida real, o comportamento de Becky tem nome: oniomania ou transtorno do comprar compulsivo (TCC). Doença que atinge 5% da população mundial segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS). Uma a cada vinte pessoas sofre do mal que desestrutura famílias, separa casais, causa desemprego, e leva cada vez mais brasileiros aos consultórios médicos de psicologia e psiquiatria.
A doença é silenciosa, solitária, sorrateira. Se instala na vida das pessoas independentemente de idade, sexo ou classe social. As mulheres são mais vulneráveis e também corajosas para admitir que estão doentes e precisam de ajuda. Mas a vergonha ainda afasta o oniomaníaco dos tratamentos que são feitos com terapiasem grupo, psicoterapia e em alguns casos associados a medicamentos. Até porque existem sintomas do TCC, como depressão, ansiedade, rejeição, que devem ser tratados paralelamente à compulsão por comprar. Os profissionais da área são taxativos: assim como a bebida, o álcool e as drogas, o compulsivo deve ficar sempre vigilante para evitar as recaídas.
A doença é silenciosa, solitária, sorrateira. Se instala na vida das pessoas independentemente de idade, sexo ou classe social. As mulheres são mais vulneráveis e também corajosas para admitir que estão doentes e precisam de ajuda. Mas a vergonha ainda afasta o oniomaníaco dos tratamentos que são feitos com terapiasem grupo, psicoterapia e em alguns casos associados a medicamentos. Até porque existem sintomas do TCC, como depressão, ansiedade, rejeição, que devem ser tratados paralelamente à compulsão por comprar. Os profissionais da área são taxativos: assim como a bebida, o álcool e as drogas, o compulsivo deve ficar sempre vigilante para evitar as recaídas.
O Diario entrevistou algumas pessoas que sofrem da compulsão por compras, mas não vai revelar nomes ou profissões para preservar a identidade. B.A., 57 anos, está em tratamento há um ano e meio numa clínica especializada em compulsões. "Eu me endividava porque não me achava bonita, era complexada e precisava agradar as pessoas. Ganhava R$ 1 mil e gastava R$ 3 mil. Eu comprava e ninguém sabia. Me endividei e meu nome foi parar no SPC", conta. Ela chegou ao fundo do poço, se separou do marido, deixou de trabalhar, e o pior, ficou nas mãos de agiotas.
Foram dois anos de sofrimento para B.A. reconhecer a doença e procurar ajuda profissional. A gota d'água: uma faturado cartão com R$ 638 de despesas de lanches. "Cai na depressão, parei de trabalhar e só fazia chorar o tempo todo. Aí tomei consciência que tinha um problema e precisava me tratar", revela. Ela reconhece que é difícil enfrentar o vício de comprar. Teve que se livrar dos cartões de crédito e ficou sem pegar em dinheiro. A lição: "Nada que é externo completa o que a gente precisa internamente. Nossas respostas estão dentro da gente e não no dinheiro. Não é a busca da droga, da bebida e das compras que resolve nossos problemas. Eu precisava sofrer para aprender".
A oniomania não escolhe idade. A.J., 26 anos, faz uma retrospectiva da infância e descobre que a compulsão por consumo começou desde cedo. "Quando eu era criança meu irmão mais velho recebia a mesada e eu também. Ele sempre juntava e eu nunca conseguia guardar dinheiro. Quando ia comprar uma roupa com a minha mãe, voltava com mais de uma", diz. Depois de ficar adulta a ida ao shopping é como chegar ao paraíso. "A minha diversão é comprar. Da última vezque fui ao shopping comprei três pares de sapatos, três calças e dois anéis. Gastei no total R$ 750 no cartão parcelado", descreve.
O descontrole financeiro começa a incomodar A.J. porque o salário não dá para pagar as contas. Ela tem a parcela de um carro financiado até 2014, além das dívidas parceladas no cartão de crédito. "Não consigo dividir as despesas de casa com o meu marido e para pagar o cartão eu fico devendo à minha mãe. A restituição do meu Imposto de Renda já está toda comprometida", lamenta. Mas resume numa frase o seu vício: "Quando eu compro me faz bem. É melhor do que comer chocolate".
Crédito fácil alimenta compulsão
Transtorno // Oniomaníaco perde a noção do valor do dinheiro e se endivida de inúmeras formas para continuar a fazer compras
Cartão de crédito estourado, limite do cheque especial, dinheiro emprestado de agiota, nome sujo na praça. Esse é o lado cruel da oniomania. As pessoas se endividam compulsivamente para consumir mais e sem controle. Contam com as facilidades e armadilhas do crédito fácil. Os cartões de plástico chegam em casa, o banco aumenta o limite de crédito, as financeiras oferecem empréstimo com prazos a perder de vista e juros estratosféricos. Não importa. O que vale é alimentar a compulsão e comprar, comprar, comprar... O oniomaníaco perde a noção do valor do dinheiro. Não se pergunta se precisa de determinado bem, mas se deseja aquele objeto para se satisfazer.
A compulsão por consumo tem um viés comportamental sociológico. Numa sociedade consumista, os indivíduos são estimulados a consumir para se inserir no grupo. "É uma forma de demarcar posição na sociedade. O consumo expõe um mercado de grifes e marcas, estilo de vida e prestígio. O sujeito é levado a consumir para ter um padrão social e se distinguir do outro",aponta o professor de sociologia Paulo Marcondes, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Um fenômeno que é observado em todas as classes sociais, só que é mais perverso com as classes de renda mais baixa, cujo bombardeio da publicidade atinge igualmente aos das camadas mais altas. "Eles têm os mesmos desejos de consumo das pessoas de renda mais alta, só que o problema financeiro será grande porque a satisfação do consumo vai gerar aflição e angústia. Muitas vezes as classes menos favorecidas compram objetos que não vão usar para se sentirem incluídas, e acabam se endividando", completa o sociólogo.
Foram dois anos de sofrimento para B.A. reconhecer a doença e procurar ajuda profissional. A gota d'água: uma faturado cartão com R$ 638 de despesas de lanches. "Cai na depressão, parei de trabalhar e só fazia chorar o tempo todo. Aí tomei consciência que tinha um problema e precisava me tratar", revela. Ela reconhece que é difícil enfrentar o vício de comprar. Teve que se livrar dos cartões de crédito e ficou sem pegar em dinheiro. A lição: "Nada que é externo completa o que a gente precisa internamente. Nossas respostas estão dentro da gente e não no dinheiro. Não é a busca da droga, da bebida e das compras que resolve nossos problemas. Eu precisava sofrer para aprender".
A oniomania não escolhe idade. A.J., 26 anos, faz uma retrospectiva da infância e descobre que a compulsão por consumo começou desde cedo. "Quando eu era criança meu irmão mais velho recebia a mesada e eu também. Ele sempre juntava e eu nunca conseguia guardar dinheiro. Quando ia comprar uma roupa com a minha mãe, voltava com mais de uma", diz. Depois de ficar adulta a ida ao shopping é como chegar ao paraíso. "A minha diversão é comprar. Da última vezque fui ao shopping comprei três pares de sapatos, três calças e dois anéis. Gastei no total R$ 750 no cartão parcelado", descreve.
O descontrole financeiro começa a incomodar A.J. porque o salário não dá para pagar as contas. Ela tem a parcela de um carro financiado até 2014, além das dívidas parceladas no cartão de crédito. "Não consigo dividir as despesas de casa com o meu marido e para pagar o cartão eu fico devendo à minha mãe. A restituição do meu Imposto de Renda já está toda comprometida", lamenta. Mas resume numa frase o seu vício: "Quando eu compro me faz bem. É melhor do que comer chocolate".
Crédito fácil alimenta compulsão
Transtorno // Oniomaníaco perde a noção do valor do dinheiro e se endivida de inúmeras formas para continuar a fazer compras
Cartão de crédito estourado, limite do cheque especial, dinheiro emprestado de agiota, nome sujo na praça. Esse é o lado cruel da oniomania. As pessoas se endividam compulsivamente para consumir mais e sem controle. Contam com as facilidades e armadilhas do crédito fácil. Os cartões de plástico chegam em casa, o banco aumenta o limite de crédito, as financeiras oferecem empréstimo com prazos a perder de vista e juros estratosféricos. Não importa. O que vale é alimentar a compulsão e comprar, comprar, comprar... O oniomaníaco perde a noção do valor do dinheiro. Não se pergunta se precisa de determinado bem, mas se deseja aquele objeto para se satisfazer.
A compulsão por consumo tem um viés comportamental sociológico. Numa sociedade consumista, os indivíduos são estimulados a consumir para se inserir no grupo. "É uma forma de demarcar posição na sociedade. O consumo expõe um mercado de grifes e marcas, estilo de vida e prestígio. O sujeito é levado a consumir para ter um padrão social e se distinguir do outro",aponta o professor de sociologia Paulo Marcondes, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Um fenômeno que é observado em todas as classes sociais, só que é mais perverso com as classes de renda mais baixa, cujo bombardeio da publicidade atinge igualmente aos das camadas mais altas. "Eles têm os mesmos desejos de consumo das pessoas de renda mais alta, só que o problema financeiro será grande porque a satisfação do consumo vai gerar aflição e angústia. Muitas vezes as classes menos favorecidas compram objetos que não vão usar para se sentirem incluídas, e acabam se endividando", completa o sociólogo.
Marcondes destaca que a própria sociedade estimula o sujeito ao consumo como forma de fazer parte do seu tempo e da sua época. Mas gera uma contradição porque o indivíduo atende ao apelo consumista e se desmobiliza politicamente para atuar como verdadeiro cidadão. Para ilustrar esse comportamento, ele cita um trecho do livro O espaço cidadão do geógrafo baiano Milton Santos: "No Brasil, não existem cidadãos. Em lugar do cidadão formou-se um consumidor, que aceita ser chamado de usuário. É o cidadão mutilado transformado no consumidor mais-que-perfeito".
Consumidor que entra no jogo do crédito fácil sem medir as consequências para o seu orçamento familiar. Junta a fome com a vontade de comer. Além disso, as pessoas não são educadas financeiramente para identificar os valores e saber consumir conscientemente.
Economista e consultor em finanças pessoais, Roberto Ferreira, ressalta que não se prioriza a educação financeira nas escolas: "As pessoas devem ser educadas desde os primeiros anos de vida para usar o dinheiro. Além disso, o exemplo deve ser dado em casa, dentro da família. Uma criança que cresce vendo os pais com as contas atrasadas quando adulto não fará diferente".
Especialista em educação financeira, Cássia D'Aquino é cautelosa ao tratar a compulsão por consumo. Em sua avaliação, o que ocorre é que as pessoas assumem papéis na sociedade e se deixam confundir pela fantasia de si próprio. "Ele fica mais preocupado com o que o outro pensa dele. Você é a sombra. Vive atendendo aquilo que os outros acham apropriado para você", revela. E acrescenta: "Quem nunca comeu melado quando come se lambuza", ao se referir as facilidades de crédito.
Cássia assinala que a criança até os seis anos deve desenvolver uma base de educação financeira em casa, para saber se relacionar com o dinheiro na vida adulta. Em sua opinião, o papel da escola é desenvolver o sentido crítico na criança em relação ao consumo, para torná-la um cidadão consciente de que dinheiro não é tudo no mundo. "Algo que se pode fazer para a nossa população saber usar o dinheiro é ensinar a ler e escrever. Se a pessoa tem a compreensão e acesso à leitura, pode ir até o banco, conhecer os produtos e não ser feito de trouxa com um título de capitalização", conclui. (R.F.)
Devedores Anônimos resgata dependentes
Você já ouviu falar em DA (Devedores Anônimos)? Trata-se de um grupo de ajuda que atua com a filosofia semelhante ao AA (Alcoólicos Anônimos) para resgatar as pessoas com problemas financeiros causados pelo endividamento crônico. A ideia surgiu nos anos 60 nos Estados Unidos, e, no Brasil, a irmandade se instalou há dez anos nas metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro. Ao entrar para o grupo, o voluntário recebe os 12 passos, uma espécie de juramento que deverá ser repetido como um mantra, quando surgirem as tentações do consumo que levam ao débito compulsivo.
"Quando cheguei aqui eu estava muito mal, no fundo do poço, saindo do controle, assim como o alcoólatra e o drogado que não controlam a situação". Esse depoimento é de um dos coordenadores do grupo DA de São Paulo, M.O., 29 anos. Ele conta que estava com endividamento alto no cartão de crédito, com empréstimos pessoais, o nome sujo nos cadastros negativos e a vida financeira desestruturada. "Eu me endividava com tudo. É como o alcoólatra, tem um que se embriaga com uísque e outro com cerveja. Eu gastava mais com supérfluos, com saídas, lanches e quando precisava de uma roupa não tinha dinheiro para comprar", comenta.
Ao entrar no grupo, formado em geral por quinze pessoas, o endividado compulsivo narra a sua experiência, recebe um manual com os 12 passos, e é orientado a fazer uma planilha de despesas para identificar com o que gasta, e quanto gasta além da sua renda mensal. Os coordenadores do grupo orientam que seja feito um programa de pagamentos para a pessoa começar a se livrar dos débitos. Segundo M.O., o programa de recuperação tem que ser espontâneo, ninguém é obrigado a nada. A pessoa tem que perceber o seu problema. Não existe punição nem medida drástica. Tudo vai depender da situação de cada um.
Após dois anos de tratamento, M.O. diz que conseguiu fazer um cronograma de pagamento das dívidas, além de controlar melhor o uso do dinheiro. Mas é consciente que a vigilância deve ser permanente: "Não se pode dizer que existe uma cura. Sei que vou continuar com esse problema a minha vida inteira. Mas sei que posso ser detido para não repetir os mesmos erros". Assim como o oniomaníaco, o devedor compulsivo se esconde por trás de problemas emocionais. É o que comprova M.O. "Na verdade eu gasto para encobrir raiva, inibição, complexo. O endividamento é apenas uma parte do problema".
Diario de Pernambuco –Economia